Wilson da Costa Bueno*
Muita gente acredita, com razão, que o rescaldo das campanhas eleitorais costuma ser mais perigoso do que a própria refrega. A gente já assistiu a esse filme com o presidente Bush, que, depois de eleito em uma apuração no mínimo suspeita, está pagando até hoje a conta dos que o apoiaram: madeireiros, donos de siderurgia, montadoras, indústria farmacêutica , agroquímica e de transgênicos. Sobretudo, continua abraçado aos falcões da indústria bélica norte-americana que não lhe dão trégua.
Com a desculpa de que o Iraque fazia parte do “eixo do mal”, Bush mandou pegar o Saddan, que ainda continua vivo e até botando banca, e de quebra provocou a morte de centenas de milhares de cidadãos inocentes e mesmo de um número considerável de jovens americanos, impelidos para a luta contra o “demônio do terrorismo”.
Por aqui, as guerras parecem ser menos sangrentas e localizadas, mas as vítimas escolhidas para o abate também exibem a mesma incapacidade de reação.
O governo decidiu, a todo custo, que o PIB precisa crescer (como diria o Macaco Simão, é mole?) e partiu, antes mesmo da posse, para a ofensiva. Deu um abraço (de urso?) no governador/imperador da soja e anda estigmatizando os indígenas, os ambientalistas e todos aqueles que desejam mais do que um simples crescimento do PIB. A mídia (que papelão da revista Exame, hein?) e outros segmentos da sociedade quebra aproveitaram a oportunidade para mandarem brasa nas ONGs, generalizando sem qualquer sentido, já que hoje tudo é considerado ONG (até a empresa do FHC e o Centro de Informações sobre Biotecnologia, que faz o jogo do monopólio das sementes e dos agrotóxicos).
Há em disputa uma velha questão de conceito, já levantada por sociólogos e economistas que não confundem crescimento (melhor dizer desenvolvimento) com estatísticas ou indicadores frios ou buscam nos organismos , a serviço do capital internacional, legitimação para as suas ações. Crescimento não quer dizer desenvolvimento e este não se mede por estatísticas, médias ou outras piroctenias numéricas.
O importante não é fazer crescer o PIB porque, como um indicador, isso pode ser conseguido a partir de produtos e exportações que nada têm a ver com as demandas reais e necessárias da sociedade. A gente conhece esse filme: exportamos soja , cana e ferro como nunca nestes últimos anos e crescemos muito pouco. Adiantou todo esse esforço ? Só isso é suficiente para alavancar a economia? O problema não é vender commodities ou atrair capital especulativo, mas desenvolver o mercado interno e orientar as políticas públicas em função dos interesses da maioria da população. Não se faz crescer o PIB dando pontapé, mas usando a cabeça.
O governo parece querer dar uma guinada radical na proposta que respaldou a eleição anterior em 2002, como que seduzido pelo canto de sereia do Alkmin e sua turma que martelaram o mote do crescimento por meses a fio. Como se viu, sem sucesso, porque perderam a eleição de goleada.
Como a corda tende a romper para o lado mais fraco, os indígenas foram os escolhidos da vez e, como são poucos – cada vez menos – deverão arcar com o ônus deste crescimento. Onde eles entram nisso? Ora, o governo chegou à conclusão de que a lei ambiental trava os projetos públicos e está se organizando para oferecer bondades também nessa área crítica. Os jornalões (o Estadão só fala nisso!) pedem, insistentemente, a cabeça da Marina Silva, julgando-a responsável pela resistência à ganância e irresponsabilidade empresarial, o que, na verdade, só a dignifica.
O afrouxamento da lei ambiental contribuirá para pressionar ainda mais os indígenas, na medida em que , sem freios, o agronegócio e os grandes projetos de infra-estrutura tenderão a avançar sobre a floresta , empurrando-os definitivamente para a invisibilidade e a extinção (coisa que a Vale e a Aracruz, a céu aberto e durante o dia, vem fazendo há muito tempo).
Evidentemente, esta tentativa de demonizar segmentos da sociedade não ficará impune e entidades representativas da sociedade civil, em particular as organizações comprometidas com o meio ambiente e com os indígenas, além das ONGs efetivamente sérias, já têm se levantado para cobrar respeito, seriedade e espírito cívico das autoridades. Exigem de Lula e seus ministros no mínimo “responsabilidade sócioambiental”.
O jornalista Washington Novaes, uma referência na imprensa brasileira, em artigo intitulado “Índio é entrave ao desenvolvimento?” , publicado no Estadão (como faz normalmente às sextas-feiras), não deixou por menos. Questionou a idéia corrente de que índio é sinônimo de atraso, deu exemplos de tentativas repetidas para a apropriação de terras indígenas e para a degradação do meio ambiente promovidas por empresas e projetos hidroelétricos, e pediu juízo ao governo.
Não é mesmo justo que os indígenas paguem pelas mazelas e compromissos de campanha e que sejam, juntamente com os ambientalistas e ONGs , os bodes expiatórios do desempenho pífio da economia nacional.
Proteger os indígenas significa proteger a própria biodiversidade, esta sim a nossa verdadeira e maior riqueza. A história e as novas gerações cobrarão bastante, se este deslize for cometido. PIB não pode significar Pro Inferno com a Biodiversidade ou Ponham os Índios pra fora do Brasil.
O crescimento do PIB, com esse conceito estranho e equivocado de crescimento estatístico, não salva o Brasil e pode, de vez, matar os nossos indígenas. Que os deuses da floresta tornem o governo mais sábio ou pelo menos mais sóbrio.
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*Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor
do programa de Pós-Graduação em Comunicação
Social da UMESP e de Jornalismo da ECA/USP, diretor da Comtexto
Comunicação e Pesquisa.