Agronegócio
Meio Ambiente


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As sementes da discórdia. A questão dos transgênicos em 6 jornais brasileiros

Wilson da Costa Bueno*

Objetivos

          Avaliar a cobertura de um tema polêmico (o avanço dos transgênicos no mercado mundial e sua repercussão no Brasil), que incorpora as perspectivas técnicas, econômicas e políticas, pela mídia brasileira.
          Identificar parâmetros importantes desta cobertura gêneros jornalísticos mais utilizados:

a) angulação
b) fontes prioritárias
c) foco principal
d) procedência das informações
e) sub-temas relevantes

          Comparar o perfil da cobertura, levando em conta a sede dos veículos (São Paulo ou Rio de Janeiro) e a modalidade dos veículos (Grande Imprensa ou Jornal de Negócios).
          Descobrir lacunas na cobertura, a partir dos parâmetros utilizados.

Veículos sob análise

São Paulo
O Estado de S. Paulo
Folha de S. Paulo
Gazeta Mercantil
Rio de Janeiro
O Globo
Jornal do Brasil
Jornal do Commercio

Observação: Na relação acima, os dois primeiros de cada Estado estão incluídos na modalidade Grande Imprensa e os terceiros, na modalidade Jornal de Negócios.

Período de análise

Janeiro a setembro de 1999

Processo de coleta

          De janeiro a junho, foram coletadas todas as matérias relevantes (excetuadas notas pequenas ou que não traziam o tema como principal). De julho a setembro, foram coletadas todas as matérias, inclusive as notas. As cartas dos leitores foram coletadas apenas nos Jornais da Grande Imprensa, com maior ânfase no período de julho a setembro de 1999.

Observação: Admite-se, tradicionalmente, no processo de clipagem, um erro de até 10% na coleta das matérias. Como as conclusões não se apóiam em números absolutos, mas em percentuais, mesmo que esta margem tenha sido atingida, os resultados não foram afetados.

Hipóteses principais

          A mídia trata o tema, no período, de forma negativa, ou seja, preferencialmente vê com reservas, críticas ou mesmo repúdio a chegada dos transgênicos ao mercado e sua introdução no Brasil. Não há diferenças significativas, sob este aspecto, entre os Jornais da Grande Imprensa ( paulistas ou cariocas), mas a rejeição é menor nos Jornais de Negócios.
          O tema é amplamente coberto pelos jornais sob análise, no período (pelo menos 1 matéria por semana em cada um deles ), mas ignorado nos editoriais, nas colunas e nas cartas dos leitores. A cobertura é mais intensa nos Jornais da Grande Imprensa do que nos Jornais de Negócios. Quanto a este aspecto, não há diferenças entres os jornais paulistas e cariocas.
          O foco predominante na cobertura é o político (relativo aos protestos contra os transgênicos, reação dos Estados brasileiros, em particular no Rio Grande do Sul; combate das entidades preservacionistas e de defesa do consumidor; avaliação de produtores, associações, empresas etc; restrição ao cultivo e comercialização no Brasil; atuação do CTNBIO; participação do Governo brasileiro e da classe política;). Os foco técnico (esclarecimento sobre o que são os transgênicos, pesquisas sobre seu impacto na saúde e no meio ambiente, os progressos da biotecnologia na agricultura; as pesquiss na área feitas no Brasil etc) e econômico (a participação dos transgênicos no mercado; os novos negócios das empresas fabricantes; as mudanças advindas da concentração do negócio em algumas poucas empresas; o papel do Brasil como produtor de sementes não transgênicas etc) ocupam lugar pouco relevante na cobertura global. Não há diferenças entre os jornais paulistas e cariocas, mas o foco econômico tem uma participação porcentualmente maior nos Jornais de Negócios do que nos Jornais da Grande Imprensa.
          Os sub-temas principais da cobertura dizem respeito ao embate travado entre as empresas produtoras, os Governos, as entidades ambientalistas e de defesa do consumidor. No caso brasileiro, ganha destaque o processo de liberação de cultivo e comercialização das sementes transgênicas (aprovação pelo CTNBIO, liminares das entidades, intervenção do Governo, contrabando de sementes, cultivos ilegais etc). Não há diferenças no que diz respeito aos jornais paulistas ou cariocas e entre os Jornais da Grande Imprensa e os Jornais de Negócios.
          As principais fontes ouvidas pelos veículos sob análise são as entidades ambientalistas e de defesa do consumidor, os executivos das empresas fabricantes e, sobretudo, os Governos (no caso brasileiro, a Presidência e seus porta-vozes, ministros, diretores e executivos de órgãos afetos à questão - IBAMA, por exemplo). Os técnicos e pesquisadores têm uma presença discreta na mídia para repercutir esta questão. Os parlamentares estão também alheios a este debate. Não há diferenças expressivas entre os jornais paulistas e cariocas e entre os Jornais da Grande Imprensa e os Jornais de Negócios.
          O material publicado sobre o tema é, prioritariamente, oriundo do exterior, particularmente da Europa (França e Reino Unido), onde o debate está mais acalorado. Não há diferenças entre os jornais paulistas e cariocas e entre os Jornais da Grande Imprensa e os Jornais de Negócios.
          Os artigos, embora em número pouco expressivo (inferior a 1 por mês, considerado o conjunto total de jornais), têm, majoritariamente, um tom negativo com respeito aos transgênicos, e estão sob a responsabilidade de representantes das entidades, da Academia e das empresas fabricantes. Não há diferenças entre os jornais paulistas e cariocas e entre os Jornais da Grande Imprensa e os Jornais de Negócios. A mesma constatação se aplica ao caso dos colunistas destes veículos.

Metodologia

          Um projeto piloto foi realizado no último trimestre de 1999, com o objetivo de definir os parâmetros de análise, prever categorias, estabelecer os veículos a serem acompanhados e mesmo para melhor compreensão dos espaços de cobertura dos veículos a serem analisados.Optou-se finalmente pelos dois Jornais da Grande Imprensa mais prestigiados nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, bem como um grande jornal de negócios em cada um destes estados. Outros 20 veículos de outros Estados foram clipados, mas decidiu-se não incluí-los no projeto final, porque, na maioria dos casos, reproduziam as matérias dos jornais escolhidos. Além disso, dado o volume de material, era necessário restringir a amostra. O período analisado foi definido (janeiro a setembro), tendo em vista a oportunidade de apresentação dos resultados no 1º AGRICOMA - Congresso Brasileiro de Comunicação em Agribusiness e Meio Ambiente, marcado para 21 a 22 de outubro de 1999. Este período (9 meses) é considerado adequado para este tipo de análise, superando a média dos períodos normalmente utilizados para trabalhos com este perfil (uma a duas semanas e, excepcionalmente, um mês). Paralelamente, o autor procurou leituras (textos, artigos etc) relativas ao tema e acompanhou debates em sites específicos da Internet (Embrapa, SBPC, CTNBIO etc), visando familiarizar-se com os diversos aspectos que cercam a questão.
          Os veículos foram lidos integralmente no período analisado, com a clipagem das unidades informativas que tinham este tema como pauta principal. Não se cuidou de coletar as chamadas de capa dos veículos e, por isso, não foi possível, incorporar este parâmetro na análise final, o que, admite-se, poderia gerar algumas informações relevantes.
          O material coletado foi processado, com o objetivo de permitir a análise, segundo os parâmetros e as hipóteses enunciadas.

Resultados principais

          As matérias tiveram, predominantemente, uma angulação negativa (66,55% do total) com respeito aos transgênicos. A maior rejeição ocorreu no Jornal do Brasil (82,61%) e a menor no Jornal do Commercio (34,78%). Apenas este último, teve uma cobertura mais positiva do que negativa do tema (52,17%). A porcentagem de matérias negativas em relação ao total foi equivalente nos jornais paulistas (65,03%) e nos jornais cariocas (69,31%), mas foi maior nos Jornais da Grande Imprensa (73,33%) do que nos Jornais de Negócios (54,81%). Essa orientação também valeu para os artigos (apenas 11,11% de positivos contra 48,15% de negativos), os editoriais (71,43% com teor negativo e nenhum com teor positivo) e as cartas dos leitores (71,43% com teor negativo e nenhuma com teor positivo). No caso das cartas, há duas leituras possíveis para o fato: ou os leitores (embora poucos) refletem a cobertura negativa da mídia, sendo, portanto, influenciado por ela; ou os jornais, com sua perspectiva negativa do tema, através de um filtro, publica, prioritariamente, as negativas, que se afinam, em geral, com a sua linha editorial. Já para as colunas, a situação é um pouco diversa: a maioria delas (75%) podem ser classificadas como neutras, com os colunistas preferindo apontar os aspectos positivos e negativos que tipificam o tema. Esta foi, particularmente, a posição de Joelmir Betting, colunista que figurou, com destaque, na pesquisa pela sua presença nos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo.
          O tema teve uma excelente cobertura da mídia, com um total de 340 unidades informativas (284 matérias, 27 artigos, 15 colunas, 7 editoriais e 7 cartas dos leitores). A média de matérias foi de cerca de 9,5 por semana, superior ao previsto (6 por semana ou 1 por semana por jornal). O número de matérias foi sensivelmente maior nos jornais paulistas (183) do que nos jornais cariocas (101), mas o Jornal do Brasil (69) só foi suplantado pela Gazeta Mercantil (81). O Globo (9 matérias) e o Jornal do Commercio (23 matérias) foram os que menos trataram o tema no período, levando-se em conta o processo de coleta utilizado. A média de cobertura da Grande Imprensa (45 matérias por jornal), ao contrário do que se supunha, foi inferior à dos Jornais de Negócios (52 matérias por jornal), mas, na verdade, esta última média foi inflacionada pelo excelente desempenho da Gazeta Mercantil. Da mesma forma, a baixa cobertura de O Globo influenciou para a redução da média nos Jornais da Grande Imprensa. O número de artigos também superou a previsão inicial (menos de 1 por mês ), com 3 em média por mês, com uma presença maior dos jornais paulistas (16 artigos contra 11 dos jornais cariocas), mas, novamente, houve influência da Gazeta Mercantil (só este veículo respondeu por 1/3 do total dos artigos publicados sobre o tema no período). A presença em colunas (15 no período) foi menos expressiva, sobretudo se levarmos em conta que 4 delas (todas sob a responsabilidade de Joelmir Betting) se repetiram em dois jornais (O Globo e O Estado de S. Paulo). Os jornalistas Joelmir Betting ( O Globo e O Estado de S. Paulo) e Washington Novaes ( O Estado de S. Paulo), cada um com 4 colunas sobre o tema, se destacaram sob este aspecto.
          O foco predominante nas matérias foi efetivamente o político (70,42% do total das matérais para o conjunto dos jornais; 68,31% para os jornais paulistas; 74,26% para os jornais cariocas; 75,00% para os Jornais da Grande Imprensa e 62,50% para os Jornais de Negócios). O foco técnico, exatamente o que incorpora uma função pedagógica, visando ao esclarecimento do leitor, foi, no geral, o menos vísivel (13,03% do total das matérias para o conjunto dos jornais), com destaque apenas para a Folha de S. Paulo (para este jornal, este foco predominou em 30% das matérias, sobretudo com a divulgação de pesquisas internacionais sobre o impacto dos transgênicos). O foco econômico não prevaleceu nem mesmo nos Jornais de Negócios, embora a Gazeta Mercantil tenha se ressaltado, sob este aspecto, entre os jornais analisados (o foco econômico, para este jornal, predominou em 29,63% do total das matérias).
          O principal sub-tema foi Problemas no Brasil (aprovação de cultivo e comercialização da soja transgênico da Monsanto, arroz transgênico no Brasil, critérios da CTNBIO, ataques de entidades ambientalistas e de defesa do consumidor, manifestação de representantes do Governo etc), que respondeu por 38,73% do total das matérias, vindo a seguir o sub-tema Problemas na Europa, com 15,49% do total. O debate da questão no Brasil (opiniões favoráveis e especialmente contrárias aos transgênicos) foi contemplado com 11,27% do total das matérias. Registre-se também a reduzida divulgação de pesquisas/estudos (4,58% do total), o número inexpressivo de matérias sobre o avanço da biotecnologia na agricultura (1,76%) e mesmo sobre a divulgação das empresas fabricantes concernente a este tema (7,04%). Há, no entanto, algumas diferenças quando se observam, com mais atenção, os jornais paulistas e cariocas e os Jornais da Grande Imprensa e os Jornais de Negócios. Assim, os Problemas na Europa foi um sub-tema mais presente nos jornais cariocas (19,80% do total contra 13,11% nos jornais paulistas); a divulgação de Pesquisas/Estudos foi maior (6,01% do total nos jornais paulistas -em particular devido à Folha de S. Paulo - contra apenas 1,98% dos jornais cariocas); a divulgação das empresas, como talvez fosse óbvio se esperar, foi maior nos Jornais de Negócios (8,65% do total) do que nos Jornais da Grande Imprensa (6,93% do total). Observa-se ainda, sob este aspecto, que os jornais, em seu conjunto, não pautaram a Argentina que, por ter introduzido há algum tempo, a soja transgênica, poderia contribuir com informações complementares importantes nas várias perspectivas (técnica, econômica e política).
          Os representantes do Governo (presidência, ministros, governadores e secretários estaduais, executivos de órgãos afetos ao problema) foram as principais fontes ouvidas pelos jornais sobre este tema (17,82% do total das fontes), no período, o que pode evidenciar a influência do noticiário oficial (repercussão da fala das autoridades) na mídia. A principal fonte de Governo foi o secretário de Agricultura don Rio Grande do Sul, Estado amplamente envolvido na questão, face à sua rejeição explícita do Executivo aos transgênicos. As empresas fabricantes responderam por 12,79% do total das fontes utilizadas, mas é preciso ressaltar que, em geral, nas matérias, elas se encontravam em posição defensiva, ou seja, reagindo aos ataques. Poucas foram as oportunidades ou esforços de divulgação das empresas no sentido de participar mais ativamente deste debate. Os pesquisadores brasileiros tiveram participação importante (8,60% do total), embora este dado esteja superestimado porque, na prática, a diversidade de fontes não foi grande (cada vez que uma fonte comparecia nas matérias, computava-se para a categoria que a incorpora) . A Embrapa (3,35% do total), considerada isoladamente dada a sua importância no debate da questão e por estar com ela diretamente envolvida, teve importância no ranking global das fontes, mas por ela falaram poucos pesquisadores, em geral vinculados à Direção.Na Embrapa, há fontes divergentes com respeito a este tema, mas a mídia basicamente as ignorou. Duas fontes de oposição tiveram também importância: o Greenpeace (5,66%) e o IDEC - Instituto de Defesa do Consumidor (4,19%), bem como o CTNBIO (12,79%), comissão diretamente envolvida nas questões relacionadas com o tema. Uma constatação surpreendente: os parlamentares brasileiros estiveram ausentes deste debate, assim como as demais entidades ambientalistas (excetuado o Greenpeace). As empresas fabricantes foram mais presentes nos jornais paulistas (14,93% do total das fontes) do que nos jornais cariocas ( 7,75%) e mais ainda nos Jornais de Negócios (19,21% do total das fontes) do que nos Jornais da Grande Imprensa (8,03%). O Greenpeace compareceu em maior proporção nos jornais cariocas (9,15% do total ) do que nos jornais paulistas (4,18%).
          A cobertura expressiva do debate no Brasil fez com que, ao contrário do que se previa, o número de matérias geradas no País (59,15% do total) superasse as do exterior (40,85%), uma proporção que se manteve coincidentemente equivalente nos jornais paulistas e cariocas, mas que foi maior nos Jornais de Negócios (64,42% das matérias foram geradas no Brasil) do que nos Jornais da Grande Imprensa (56,11%). As matérias externas vieram, sobretudo, da Europa (a maior parte delas da Grã-Bretanha) (26,76% do total contra 10,21% dos EUA e apenas 3,87% de outros lugares). A presença do noticiário europeu foi maior nos jornais cariocas (33,66% do total) do que nos jornais paulistas (22,95%); em contrapartida, os jornais de São Paulo incluiram noticiário mais generoso oriundo dos Estados Unidos (14,75% do total) do que os jornais do Rio de Janeiro (apenas 1,98% do total das matérias tinham esta procedência).

Resumo: o tema teve ampla cobertura, com a predominância do foco político; em geral esta cobertura tinha um teor negativo no que diz respeito aos transgênicos. A maioria das pautas foi gerada em função de problemas ocorridos no País; as fontes, por causa disso, foram especialmente os representantes do Governo, mas tiveram destaque o Greenpeace, o IDEC e a Embrapa. As empresas fabricantes compareceram, em geral, a reboque nas matérias, numa posição defensiva e a classe política esteve avessa ao debate. Houve, conforme evidenciam os dados, comportamentos distintos, em relação a aspectos do tema, quando se considerou isoladamente os jornais paulistas e cariocas ou os Jornais da Grande Imprensa e os Jornais de Negócios.

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*Wilson da Costa Bueno, jornalista, professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP, professor de Jornalismo da ECA-USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa, editor dos sites Portal do Jornalismo Científico On Line, Agricoma- Comunicação em Agribusiness e Meio Ambiente e Comunicação Empresarial on Line.

 
 
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